João Semedo
Morreu Eusébio, o grande Eusébio
As memórias que a sua extraordinária vida foi gravando na vida de cada um de nós ocupam a partir de hoje o vazio deixado pela sua morte. E são tantas e tantas.
Nas noites europeias – então às quartas feiras, aos domingos à tarde, fosse qual fosse o campo e o adversário, as arrancadas fulgurantes, os pontapés fulminantes, os golos de outro mundo, não fizeram de Eusébio apenas o maior jogador que alguma vez tínhamos visto jogar em Portugal: com Eusébio passámos a acreditar que era possível vencer os mais fortes e que, na bola como na vida, só perde quem não vai à luta, quem desiste da vitória. Devemos a Eusébio, também, essa lição de vida.
Na minha geração e entre a malta de esquerda, muito se discutiu a forma como Eusébio lidava com as tentativas do regime salazarista para se apropriar a seu favor dos seus feitos desportivos e do clube que representou durante toda a sua vida, o glorioso SLB, o Sport Lisboa e Benfica. O regime serviu-se de Eusébio, é uma evidência. Aliás, nesse ponto, o aproveitamento para fins políticos de êxitos e carreiras desportivas, a atualidade não é muito diferente dos tempos de Eusébio. Mas nunca vi nem ouvi da boca de Eusébio qualquer declaração laudatória da ditadura e, do que me lembro bastante bem, foi da forma entusiástica com que recebeu a independência de Moçambique. E recordo, também, as suas palavras frequentes de apoio e solidariedade às vítimas das desigualdades e da extrema pobreza que mancham o mundo contemporâneo, seres humanos dos quais Eusébio nunca se esqueceu.
A última vez que cumprimentei o Eusébio foi na recente inauguração do Museu do Benfica. Recordei, nesse momento, o dia – já tão distante - em que o conheci pessoalmente. Faltei ao liceu para ir com o meu tio Artur – sim, esse mesmo, o Artur Semedo do teatro e do cinema, o mais fanático benfiquista com quem convivi - ver o treino do Benfica, conhecer os craques do glorioso, o que se repetiu muitas outras vezes. No final, o meu tio lá me levou junto do Eusébio e disse-lhe qualquer coisa do género “ este miúdo é meu sobrinho mas tem mais jeito para doutor do que para a bola”, mais ou menos isto. Mas do que me lembro muito bem, como se tivesse sido hoje, foi da resposta do Eusébio: “se o menino quer ser doutor, tem de ter mais juízo que o tio”. Quase cinquenta anos depois, constato que ajuizado era sem dúvida o Eusébio.
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