“Os editoriais, a partir de hoje, deixarão de ser assinados. Os editoriais expressarão o pensamento desta direcção e deste jornal sobre o mundo que procuramos descrever, compreender e analisar página a página.” Clicar aqui.
Por graça, e porque a matéria está muito bem escrita e cheia de humor – e é uma verdadeira lição sobre democracia -, deixo um Artigo de Opinião de Francisco Louçã, sobre José Manuel Fermandes.
JOÃO
Todas as razões para apreciar José Manuel Fernandes
31-Maio-2009
Confesso mais esta fraqueza: adoro os editoriais de José Manuel Fernandes. Bem sei que os meus amigos não se cansam de me dizer que se trata de um político reaccionário, porque é um dos defensores do genocídio no Iraque (cuja “libertação” à bomba lhe mereceu uma sempre comovente “lágrima furtiva”). Bem sei que é um dos homens de confiança de Cavaco Silva e um dos promotores da unidade da direita para a sua vitória presidencial (o que prova como é bem sucedido). Mas o certo é que nada disso me impede de adorar os seus editoriais.
Até chego a estar de acordo com ele em ocasiões raras. E defendi-o mesmo quando o governo angolano proibiu o Público de acompanhar a viagem de José Sócrates – a liberdade de imprensa e de opinião é sobretudo importante para defendermos o direito de expressão dos nossos adversários.
E é por isso mesmo que adoro os seus editoriais. É que tanta raiva, tanta perseguição, tanto azedume contra o Bloco de Esquerda só prova o nosso sucesso. Se Fernandes não nos atacasse com raiva, poderíamos concluir que não incomodamos os poderes económicos. Cada vez que nos insulta num editorial, é uma medalha para o Bloco. Fernandes mostra-nos porque devemos continuar e como devemos continuar.
Devo no entanto reconhecer, com pesar, que nem sempre os editoriais revelam o melhor do grande jornalista que é Fernandes. No dia 1 de Maio, por exemplo, o tema foram as touradas e a coisa não correu bem.
Helena Matos, outra cronista neoconservadora cujo amor pela verdade é lendário, escrevera na véspera que o Bloco tinha imposto a proibição das touradas em Sintra. Fernandes entusiasmou-se e veio intimar-me a, numa atitude “de homem”, as proibir também em Salvaterra de Magos (engraçado, isto “de homem”). Fernandes, jornalista embaciado pelo seu ódio político, esqueceu-se de ler o seu próprio jornal, que noticiara a votação da Assembleia Municipal de Sintra e dera conta da aprovação de uma proposta do Bloco, segundo a qual a Câmara não deve patrocinar touradas. As touradas far-se-ão, mas por sua conta: a Câmara não deve pagar. Não proibiu nada (nem tinha direito a proibir, mas não se pode pedir a Fernandes que, já sendo tão competente noutras facetas da sua vida, saiba alguma coisa de direito).
E, se tivesse feito o trabalho que se esperaria de um jornalista, concluiria mais: a Câmara de Salvaterra também não patrocina nem paga as touradas que se realizam por iniciativa privada no seu concelho. Lamento que esta informação não estivesse acessível no twitter, mas estava na internet: o cartaz da dita tourada não mostra o patrocínio da Câmara, o que já daria para tirar conclusões. O que seria fácil de confirmar, mas como se pode pedir rigor a um homem tão ocupado?
De resto, que importa a Fernandes a notícia factual do seu jornal, ou o rigor da informação? Helena Matos garantiu que havia censura às pobres das touradas, e aí vai ele gritando contra a censura às touradas. Se era uma forma de insultar o Bloco, melhor ainda. É de homem.
Agradeço-lhe profundamente. A vida do Bloco de Esquerda seria uma pasmaceira sem os editoriais fulminantes de Fernandes. Ainda bem que nos lembra os temas importantes. E como o CDS, o PS e o PSD estão a propor nos Açores a retomada das touradas com lanças, violando a lei nacional, é importante que haja quem, como o Bloco, se lhes oponha. Como o Bloco foi o único partido a votar contra as touradas de morte. O único. Infelizmente, para Fernandes, os factos são teimosos. O jornalismo também aprecia a verdade dos factos. Mas já quanto a Fernandes…
Francisco Louçã
Vou deixar outro Artigo de Opinião, na ESQUERDA.NET, de JOÃO TEIXEIRA LOPES, sobre o mesmo tema: José Manuel Fernandes, ex do Público.
ResponderEliminarJOÃO
O “Público” de José Manuel Fernandes
03-Nov-2009
Não é vendetta, o que me move, apesar da persistente desonestidade intelectual com que brindava o Bloco de Esquerda, um dos seus inimigos de estimação. É a análise política, que, por mais estrutural que se pretenda, não prescinde dos homens e das mulheres...
Vou falar de José Manuel Fernandes e de como um neoconservador, servo fiel, como poucos, às políticas do extremismo republicano, dos EUA, se apropriou, como Director, do rumo editorial e ideológico de um dos principais jornais de "referência", divorciando-o do universo cultural e simbólico da maioria dos seus leitores.
Nunca saberemos tudo sobre a agenda mais ou menos oculta de José Manuel Fernandes. Mas lembro-me, em particular, da sua alegria bacoca quando os Estados Unidos invadiram o Iraque e chegaram a Bagdad. Nunca li ou escutei um único lamento autocrítico dessa águia feroz que, nos editoriais do Público, um após outro, clamava por mais Guerra e mais sangue. Contra o Irão, se necessário fosse. Contra quem quer que ousasse contrariar o império.
Não me esquecerei, tampouco, da sua transformação, em uníssono com Pacheco Pereira, seu alterego e, suspeito, subdirector clandestino do Público, em ideólogo-mor do PSD (que, teimosamente os deixou de escutar, ao verificar que o seu prazo de validade ideológico há muito se esgotara) e em luz da segunda vida do cavaquismo, ao ponto de ter servido, miseravelmente, como pombo-correio de golpes de estado de salão.
Não apagarei, igualmente, as delirantes referências à distopia de um mercado livre; os elogios às privatizações; o nauseabundo favorecimento dos lobbies das escolas privadas.
Mas o mercado nada sabe de honra e até os Azevedo se devem ter fartado com a queda abrupta das tiragens. Pelo meio, dezenas de trabalhadores despedidos, entre os quais muitos jornalistas. Os que foram poupados, viram os seus ordenados reduzidos, enquanto administradores, como José Manuel Fernandes, eram recompensados com generosos prémios.
Não, ele não é o herói destemido em personagem de jornalista de guerra na Guiné-Bissau. Não, ele não se transformou, do dia para a noite, num soldado raso do jornalismo, como afirma no seu patético editorial de despedida. Estejamos atentos. A carreira de José Manuel Fernandes não acabou. Mas leio o Público com outro prazer!
João Teixeira Lopes