Uma boa exposição dos tempos que vivemos e das incertezas do nosso futuro político de Portugal.
JOÃO
Vertigem
A partir de 12 de Março, a crise é simplesmente o chão que a gente pisa. Quem julgue que tudo está escrito, desengane-se. Tudo se está, de novo, a escrever.
Opiniao | 19 Março, 2011 - 04:10 | Por Miguel Portas
A partir de 12 de Março, a crise é simplesmente o chão que a gente pisa. Quem julgue que tudo está escrito, desengane-se. Tudo se está, de novo, a escrever.
Mesmo os que esperavam um grande protesto se surpreenderam com a dimensão das manifestações do passado dia 12 de Março. 200 a 300 mil pessoas de todas as gerações e credos quiseram dizer a si próprias que ninguém tem que estar à rasca sozinho.
A segunda reflexão que esse sábado excepcional suscita parte da constatação de que muitos saíram à rua pela primeira vez ou pela primeira vez em muitos anos, exactamente porque intuíram ser aquele o momento e a circunstância em que se poderiam afirmar como povo sem mediação, para lá dos partidos, sindicatos e associações. Pairou por aquelas manifestações um "não sei quê" a 25 de Abril, que para uns foi nascimento e para outros revisitação, que associo a carradas de imaginação e toneladas de dádiva e solidariedade. Os que, como eu, acreditam que o partido e o sindicato são instrumentos de cidadania e não meras máquinas de emprego e influência, estão obrigados a reflectir seriamente sobre os seus próprios limites.
Essa reflexão é tanto mais oportuna quanto é evidente que a anti-política, o anti-parlamentarismo e o anti-partidarismo também marcaram presença, mas não foram hegemónicos nas manifestações. A grande maioria das pessoas que desceu às ruas fê-lo pelas razões da sua própria experiência da crise e em linha com o manifesto dos promotores. O 12 de Março não foi um "dia da ira", um grito de revolta em formato desesperado. Também não sabemos se foi o primeiro dia de um "levantamento nacional". Dele apenas se pode dizer que define um antes e um depois. A crise politica em que o país entretanto mergulhou cruzar-se-á não apenas com uma vertiginosa aceleração do protesto social, mas também com uma opinião pública muito mais atenta e exigente. Até 12 de Março, a crise oprimia e deprimia; a partir de 12 de Março, a crise é simplesmente o chão que a gente pisa. Quem julgue que tudo está escrito, desengane-se. Tudo se está, de novo, a escrever.
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