quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Artigo de Mário Tomé «Cavaco e Seus Amores Tão Delicados» | A COMUNA


Cavaco e seus amores tão delicados
Quarta, 29 Dezembro 2010

Calem-se os político ouçamos os comentadores. Eis a finança a falar pela voz de Durão Barroso. Devemos pagar não o que devemos mas aquilo que em cada dia esses avejões ectoplásmicos, as agências de rating, acharem que devemos pagar ao mesmo tempo que traçam o perfil do nosso futuro colectivo. O país nas mãos de vorazes bestas hiantes.

Este é o mercado, o tal que garante a liberdade e a democracia, ou como o neoliberalismo internacional e o cavaquismo nacional, desde o verão de 1985, determinaram: o mercado é a condição sine qua non da democracia. E, em consequência, como Cavaco PM assegurava em 1991/92, acabaram-se os empregos garantidos; ou ainda, como ele repetia até à exaustão nos debates do OE, só despedindo livremente se criam condições para baixar o desemprego. A história é antiga e Cavaco Silva está bem treinado.

A 2 de Dezembro deste ano faleceu Ernâni Lopes, o grande economista que dizia exactamente o mesmo que os pequenos economistas, que repetem ano após ano a mesma leitura do livro de contabilidade com que querem gerir o país; legislatuta após legislatura vão fazendo o rotineiro roteiro banca/governo/administração empresarial/governo/banca/... e, cada vez mais embotados, defendem as mesmas asneiras que levaram para os governos e de lá trouxeram e que aprenderam na mesma escola de Ernâni : quando estamos à rasca vamos ao povo e sacamos-lhe o que lhe sobrou do espólio anual. Dizia, portanto, ele que no princípio era a concorrência. E que a solidariedade social só tem sentido para atenuar os efeitos dessa primordial concorrência. Pela mesma altura, Mário Soares e Mota Pinto juntaram trapinhos, puseram-no a ministro das finanças para trazerem o FMI e prepararem o país para a CEE, começando a sacar que nem alarves, até com o subsídio de Natal ficaram, pondo a estrutura produtiva, como fazem os preparadores de trabalho, pronta para ser liquidada por Cavaco, vindo lá detrás, dos dois Carneiros (ver adiante).

A partir de 1985, a troco dos fundos europeus espalhados magnanimamente pelos empreiteiros da construção civil nas autoestradas a eito, pelos grandes armadores no abate de embarcações, pelas grandes empresas rodoviárias à custa da liquidação da rede ferroviária, pelos latifundiários arrependidos, pelos Jeeps dos JEEPs (Jovens Empresários de Elevado Potencial,sic), pelos chulos e negociantes da educação, nas universidades privadas, que se locupletavam com as propinas pagas pelos alunos e alunas chegados das zonas mais atrasadas do país e que não tinham conseguido competir com os filhos, famílias e jovens das áreas urbanas e cosmopolitas com outros argumentos sociais e culturais de raiz para vencerem a brutal barreira do numerus clausus e gozarem o privilégio(!) das propinas do ensino público, nesses tempos idos ainda marcadas pela norma constituicional do «tendencialmente gratuito»; pelas indemnizações que acompanharam o fim das nacionalizações (parte delas mantendo-se ao serviço dos antigos e futuros proprietários) calculadas por avaliadores dos próprios indemnizáveis. Foi o tempo em que os grandes «capitães da indústria» Champallimaud, Mellos e outros se passaram de armas e bagagens do campo ingrato da indústria, onde tinham que mostrar a cara nos confrontos de classe, para o campo da economia de casino, da finança, da banca de investimento que o seu Salazar lhes proibia, cioso do controlo financeiro da economia.

Foi o tempo do milhão de contos por dia em fundos da CEE na fase transitória da adesão.

Foi o tempo em que Cavaco, o mesmo de hoje, foi corrido apesar de gritar aos quatro ventos que só fizera o bem de Portugal.

De facto, esquecera-se dos portugueses.

Aí o temos agora, querendo aproveitar a maré do desastre de que foi co-responsável, a cumplicidade de Mário Soares e José Sócrates para aparecer como salvador, o homem que conseguiu o acordo PS/PSD para o OE sem o qual iriamos ao fundo.

Não é, pois, de admirar a inércia em que Sócrates colocou o PS no apoio a Alegre. A vitória que lhe interessa é a continuidade da parceria que tão bom resultado tem dado nas parcerias público-privadas, nas privatizações, na flexibilidade do emprego (despedir muito para empregar muito, não nos esqueçamos), no ataque à segurança social pública e ao SNS.

A degradação da vida pública, o anquilosamento da democracia tiveram hoje, dia em que escrevo, 27 de Dezembro, o seu mais alto ponto simbólico; Durão Barroso avisou: os políticos devem calar-se sobre a crise para não piorarem as coisas. Deixem falar os comentadores!

Cavaco logo veio elogiar a sagueza do seu antigo discípulo. Não insultem (!) os credores. Paguem e não bufem. O negócio must go on.

A nossa vida colectiva a ser orientada pelos comentadores a soldo, eis o esboço do que nos espera se não entendermos que Cavaco Silva é, além de um político primário e envergonhado, um político que não pára de fazer campanha contra os políticos e a política, cuja cultura não vai muito além do Velho Testamento, um fundamentalista da finança à solta como garante único da democracia.

Obrigá-lo a ir à segunda volta será uma grande vitória. Não apenas porque nos dá a possibilidade de o derrotar mas, principalmente, de derrotar o conformismo que leva tanta gente a preferir, à mudança gritantemente necessária, a sombra tutelar do «nosferatu» que pôs na ordem as finanças sujeitando todo um povo à parca e porca miséria económica, social e cultural, agora reencarnado em Aníbal Cavaco Silva.

Por isso talvez não tenha sido tão a despropósito a referência de Alegre às diferenças entre a sua vida e a de Cavaco antes do 25 de Abril. Aliás, o mais que Cavaco avançou na sua carreira foi passar de Salazar para Caetano, sem guerra colonial que os capitães de Abril transformaram em libertação nacional. Todo o PSD não passa de uma evolução na continuidade do marcelismo como já tive oportunidade de demonstrar (http://www.esquerda.net/virus/media/virus3_txt.pdf).

Cavaco era ministro das finanças do golpista Sá Carneiro quando este se recusou a apresentar o programa de governo na AR, em Outubro de 1980, ao que estava constitucionalmente obrigado. Só o apresentaria depois de eleger, nas presidenciais de Janeiro de 81, o seu candidato presidencial, o general fascista Soares Carneiro, patrono tutelar dos Comandos e ex-responsável pelo campo de concentração de S. Nicolau em Angola,. Os dois Carneiros (segundo o critério actual de Cavaco seriam mais honestos do que um) obteriam então o poder total: uma maioria na AR, um governo, um presidente! Poderia então avançar com um plebiscito constitucional, vencê-lo para o «reencontro histórico com Portugal e redefinir o seu futuro». Ou seja poder dizer aos netos cheio de orgulho: o 25 de Abril nunca existiu!

Cavaco e toda a rede mafiosa que saiu dos seus governos para a banca, são desta estirpe. Por isso ainda choram pela AD e por Sá Carneiro que afinal veio a morrer antes de concretizar o sonho, num mesmo dia 2 do grande economista Ernâni Lopes que nos retirou o subsídio de Natal.

Hesitar quanto ao papel fundamental da candidatura de Alegre neste afrontamento da passividade instalada, que se sujeita, por compreensível mas inaceitável inércia e receio, ao pensamento único, divulgado e defendido pelos tais comentadores e ou jornalistas a soldo, temente de qualquer mudança, prisioneira do economês mais rudimentar divulgado pelos controladores e vigilantes, ao espólio, à intriga e à mentira sem vergonha, à corrupção dos ideais e dos valores que se devem exclusivamente à luta secular do proletariado e ao contributo de tantos intelectuais anti-fascistas e marxistas, contributo mais ou manos timido mais ou menos ousado mas tantas vezes desbravando caminhos novos na compreensão da sociedade e da pessoa humana, fugindo ao dogma lutando contra o dogma.

É nesta candidatura que essa gente se pode rever, é na possibilidade de colocar na presidência não um promitente revolucionário, mas um homem que, por entre as vicissitudes e contradições de uma vida soube preservar a sua dignidade, o respeito essencial pelo seu semelhante, as referências fundamentais do humanismo laico e de esquerda, dos valores que permitirão à nossa sociedade manter-se à tona, apesar de fortemente abalada pelos ataques brutais das alcateias financeiras às quais pertencem Cavaco Silva e os seus mais lídimos apoiantes.

Daí decorre a sua capacidade de fazer a interpretação «autêntica» e não a «interpretação» neo-liberal da Constituição da República.

A escolha entre o 25 de Abril como referência, ou o retorno ao «reencontro de Portugal com a sua história» marcelista, mesmo que seja uma abordagem aparentemente anacrónica, é o que temos pela frente.

Ou um presidente que respeita acima de tudo as liberdades, a democracia representativa e participativa, a intervenção cidadã como estruturante do funcionamento do regime, ou um diácono temente da Igreja e da finança, de olhar enviesado, e o cinismo como instrumento de uma hipocrisia intervencionista alegando alergia à política e lavando as mãos como pilatos, jurando que não sabe quem são os amigos e os conselheiros mesmo que por si escolhidos.

A escolha não será difícil para a esquerda.

Mário Tomé



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