Não: plantai batatas, ó geração de vapor e de pó de pedra, macadamizai estradas, fazeis caminhos de ferro, construí passarolas de Ícaro, para andar a qual mais depressa, estas horas contadas de uma vida toda material, maçuda e grossa como tendes feito esta que Deus nos deu tão diferente do que a que hoje vivemos. Andai, ganha-pães, andai; reduzi tudo a cifras, todas as considerações deste mundo a equações de interesse corporal, comprai, vendei, agiotai. No fim de tudo isto, o que lucrou a espécie humana? Que há mais umas poucas dúzias de homens ricos. E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar a miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico? - Que lho digam no Parlamento inglês, onde, depois de tantas comissões de inquérito, já devia andar orçado o número de almas que é preciso vender ao diabo, número de corpos que se tem de entregar antes do tempo ao cemitério para fazer um tecelão rico e fidalgo como Sir Roberto Peel, um mineiro, um banqueiro, um granjeeiro, seja o que for: cada homem rico, abastado, custa centos de infelizes, de miseráveis.Este artigo de "A Comuna" acaba com uma frase/citação de um excerto de Almeida Garrett da sua obra "Viagens na minha Terra".
Almeida Garrett, in "Viagens na minha Terra"
A notícia sobre a iniciativa de Bill Gates, que correu toda a imprensa, de facto faz com que muitos fiquem deliciados com a bondade dos ricos. Eu também fiquei um pouco maravilhada com a iniciativa. É sempre louvável que os que mais têm, dividam com os que menos têm. E tantos há que nada têm!
Porém, o escrito de Almeida Garrett está certo. Porque é que os ricos são ricos? Quantos têm que ser sacrificados para que haja um rico!?
JOÃO
Fiquem com a caridade, queremos democracia
08-Agosto-2010
Bill Gates e Warren Buffet, duas das pessoas mais ricas do mundo, fundaram a organização Giving Pledge, que pretende angariar cerca de 600 biliões de dólares para filantropia. Até agora, imensos milionários e bilionários juntaram-se à ideia, comprometendo-se a doar parte significativa da sua fortuna para fins sociais.
Artigo de Fabian Figueiredo
Em tempos de crise, a caridade filantrópica aparece, na opinião pública e publicada, como um raio de sol imenso numa tempestade que se prevê longa e pesada, uma autêntica esperança de ruptura com o situacionismo.
A ideia não tem deixado de ganhar adeptos e de receber elogios por todo o globo, no entanto um olhar crítico sobre a raiz da existência da filantropia e da caridade, levam-nos directamente às disparidades de acumulação de capital e às assimetrias sociais.
Para poder existir filantropia, isto é, doação de uma quantia avolumada de capital para fins sociais, significa que à priori existiu uma acumulação de capital extrema, ou seja uma exploração intensa do factor trabalho.
E é esta a norma que encontramos quando estudamos o percurso de toda a selecção internacional de milionários, todos eles lucram com a pobreza mundial, com o saque dos recursos naturais nos países mais desfavorecidos, com a especulação em toda a extensão do termo, com a desregulação dos mercados, com a criação de monopólios e ou oligopólios, com o subemprego, a precariedade, a destruição dos serviços públicos…
Porque quando a política pública é orientada para orçamentos redistributivos, ordenados justos, equidade fiscal, serviços públicos fortes e acima de tudo exista democracia na economia, liquida-se a pobreza, combate-se a exploração, a acumulação de capital é distribuída a favor dos povos, logo, não se necessita, que exista aparente boa vontade milionária para distribuir as suas migalhas por onde já semearam o desespero, na verdade a existência de milionários está directamente interligada à condenação de milhares à pobreza, sempre foi assim na história, já quando o termo filantropia surgiu na Civilização Romana, e continuará a ser assim…
“Eu pergunto aos economistas, politicos, aos moralistas, se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infâmia, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?”
Almeida Garrett
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