Deixo um bom artigo do Daniel Oliveira, jornalista e um dos comentadores do programa da SIC Notícias "Eixo do Mal", que eu nunca perco, sobre o que se comemora hoje: 100 Anos de República!
O artigo é da rubrica "Daniel Oliveira: Antes pelo contrário" do Expresso.
JOÃO
Falta-nos o arrojo de outubro e de abril
Em outubro um Portugal atrevido revoltou-se com a cobardia da sua elite política. Em abril voltámos a ter um rasgo de ousadia. Faz-nos falta o arrojo de 1910 e a esperança de 1974. Aqueles momentos em que nos superámos.
Daniel Oliveira (www.arrastao.org)
Terça feira, 5 de Outubro de 2010
A implantação da República não representou apenas uma mudança de regime. Correspondeu a uma revolta contra um país agachado e uma classe política de cobardes. Apoiada por uma pequena burguesia farta da pequenez nacional e por um povo urbano, ainda minoritário mas com horizontes para lá do campanário da Igreja, ela foi uma explosão contra a tacanhez nacional. Não foi a primeira. Não foi a última.
Sabemos o que aconteceu depois. Sabemos do falhanço político, do desastroso envolvimento na Grande Guerra, do caos financeiros e dos golpes e contragolpes. Das promessas por cumprir de uma elite impreparada. Ainda assim, foi um raro momento de coragem colectiva. Num país fechado e conservador, foi um momento de ousadia.
Depois veio a ditadura. Veio o país de quase sempre: rural, católico, pobre, medroso, conservador, mesquinho, obediente. Foi meio século que marcou muito do que somos hoje. Foi preciso o Estado Novo cair de podre para que voltasse a explodir esse outro Portugal. Só que há um bloqueio qualquer, talvez determinado por estarmos na periferia da Europa e nunca termos ultrapassado a nostalgia do Império perdido, que nos voltou a acabrunhar. A aceitar. A calar.
Cem anos depois da República, falta-nos essa revolta cíclica contra uma elite política e económica incompetente e habituada a viver do ouro do Brasil, do condicionalismo industrial ou dos fundos europeus. Falta-nos o orgulho, já não nacionalista mas pelo menos com alguma dignidade, de não aceitar como inevitáveis os ditames das potências europeias. Falta-nos um povo que não se julgue fadado a carregar o peso de uma elite parasitária da Nação. Falta-nos algum do arrojo de 1910 e muita da esperança de 1974.
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