Debate sobre a crise: os povos podem rejeitar as imposições do FMI porque existem alternativas |
O debate internacional promovido pelo Bloco de Esquerda e pelo GUE/NGL, a Esquerda Unitária no Parlamento Europeu, demonstrou em Lisboa que os pressupostos em que assenta o combate à crise imposto através do FMI são falsos, que as condições do resgate determinadas para Portugal vão agravar ainda mais os problemas sociais e económicos do país e beneficiar os mesmos de sempre e que existem alternativas fora das medidas que estão a ser exigidas. Comprovando que a União Europeia está de facto “em rota de divergência”, as intervenções de Benjamin Coriat, Francisco Louçã, Elias Jon, Marisa Matias e Miguel Portas, pontuadas por numerosas participações dos presentes, sublinharam que não sendo o FMI o caminho existem alternativas sérias e credíveis para ultrapassar os problemas sociais económicos. Por isso, realçou Miguel Portas no final da sessão, as eleições em Portugal representam a possibilidade de rejeitar o resgate estrangeiro aceite por três partidos portugueses uma vez que, a exemplo da Islândia – apesar da diferença de situações – os povos podem dizer que não como protagonistas da história e donos da sua soberania.
Benjamin Coriat, investigador francês e um dos principais subscritores do Manifesto dos Economistas Aterrorizados começou por desmontar um mito. “O Pacto de Estabilidade não tem nenhuma razão económica para impor um défice de três por cento do PIB; isso não faz nenhum sentido em economia”.
Benjamin Coriat, investigador francês e um dos principais subscritores do Manifesto dos Economistas Aterrorizados começou por desmontar um mito. “O Pacto de Estabilidade não tem nenhuma razão económica para impor um défice de três por cento do PIB; isso não faz nenhum sentido em economia”.
O economista francês integrou este conceito numa intervenção em que enumerou e explicou, uma a uma, as falhas da construção europeia detendo-se em pormenor no “aprofundamento das desigualdades entre os países” e no papel da “virtuosa” Alemanha nessa situação.
“Como é que a Alemanha pode ser virtuosa e nos pode dar lições depois de nos anos noventa ter comprado a Alemanha de Leste criando uma recessão económica, nivelando por baixo os salários dos trabalhadores e ganhando em competitividade, fazendo explodir as taxas de juro e ter obrigado todos os outros países da Europa a pagar os custos?”, interrogou-se Coriat.
A seguir desmontou outro mito em que assentam a propaganda e as exigências impostas pelas soluções da Comissão Europeia e do FMI.
“É falso que os Estados gastem em excesso”, disse. “Os Estados não gastam assim tanto e às vezes até gastam de menos. O que aconteceu foi uma contra-revolução fiscal que destruiu as receitas dos Estados. Os Estados dão cada vez mais presentes aos ricos e aos rendimentos do capital”.
E citou exemplos. Em França, disse, o equivalente ao IRC é de 34 por cento mas as empresas cotadas em bolsa no índice CAC 40 pagam apenas oito por cento, beneficiando de não haver uma política fiscal única na União Europeia e também da evasão fiscal; na Irlanda, os impostos das empresas desceram de 50 para 12,5 por cento.
Miguel Portas viria depois a citar o caso de Portugal em que os bancos, com rendimentos de quatro milhões de euros por dia, pagaram em 2009 cerca de 4,3 por cento de impostos.
Depois de ter sublinhado o caso da Grécia como exemplo de “uma punição”, Benjamin Coriat afirmou que em relação ao futuro se colocam dois cenários: ou mais do mesmo ou uma saída alternativa.
Para a saída alternativa propôs três orientações.
Romper com os mercados financeiros, o que impõe “a realização de auditorias às dívidas públicas para que seja identificado quem deve e o que deve e assim ver-se-ia que afinal os credores terão talvez mais a pagar que os devedores”.
Uma segunda orientação: “o Banco Central Europeu deve comprar os títulos de dívida pública no mercado primário de modo a baixar os juros e deixar fora do jogo as agências de notação”. Essa medida seria acompanhada pelo estabelecimento de uma base fiscal justa e equilibrada de modo a fazer “reverter a contra-revolução”.
Uma terceira orientação seria o estabelecimento de uma coordenação macroeconómica na Europa no sentido do equilíbrio entre o centro e as periferias porque “a Alemanha não pode tirar apenas os benefícios da Europa e deixar as desvantagens para os outros”, rematou Benjamin Coriat.
Francisco Louçã falou do acordo imposto pela troika ao Governo português e aos partidos que o subscreveram no quadro de um “ciclo vicioso infernal” em que todas as medidas programadas tornam ainda mais difícil que a economia responda a questões estruturais como o desemprego, as desigualdades, a retracção do consumo.
“No fim da aplicação deste programa, Portugal estará muito mais pobre e endividado, todos os problemas se tornarão mais difíceis”, disse o coordenador do Bloco de Esquerda.
“A União Europeia empurrou as economias da Europa para os abismos da especulação financeira” e “quem beneficia com isso é uma outra troika: a dos bancos, das companhias seguradoras e dos fundos financeiros”.
Francisco Louçã chamou também a atenção para as “ambiguidades e mistérios” do acordo do FMI no âmbito fiscal abordando os indícios de que o patronato beneficiará de uma redução de três por cento nas contribuições para a segurança social em troca de um aumento de três por cento da carga fiscal incidindo provavelmente sobre o IVA. Isto é, toda a população – incluindo trabalhadores, pensionistas, reformados – poderá ter que pagar através do consumo o que o patronato deixaria de pagar para a segurança social.
“Chamar neutralidade fiscal a medidas como esta é um insulto à inteligência dos portugueses”, disse Francisco Louçã, que defendeu a renegociação da dívida e a auditoria à dívida pública.
Elias Jon, dirigente do partido islandês Esquerda Verde, historiou o processo no seu país gerido por uma política de direita em coordenação com o FMI e que culminou com a bancarrota bancária. Explicou que o povo se recusa a pagar pela má gestão dos bancos e que o governo de direita não teve possibilidade de socorrer os bancos em 2008 (embora quisesse) porque a privatização destes em 2003 deu ao sector bancário uma dimensão dez vezes superior à do PIB da Islândia.
A recusa popular de pagar pelos erros dos bancos forçou a queda do governo de direita, a sua substituição por uma maioria formada por organizações de esquerda que negoceia agora um pacto social e se propõe aumentar o investimento público para criar emprego, apoiar a segurança social e apostar no ensino.
Miguel Portas assinalou a convergência dos participantes no debate em relação ao diagnóstico da situação e citou um estudo de economistas segundo o qual Portugal é actualmente o país mais desigual da Europa, apenas superado pela Lituânia e a Letónia. A desigualdade é de um para 18 entre os sectores mais pobres e os mais ricos, sendo que nestes estão incluídos os salários de 2500 euros, o que testemunha como são baixos os rendimentos dos mais desfavorecidos.
O resgate, disse Miguel Portas, vem agravar tudo o que já está em dificuldades em Portugal. Provoca redução real de salários, diminuição do poder de compra, ataques a todos os direitos dos trabalhadores, agrava a desindustrialização, vai provocar mais desemprego e nem sequer vai responder às necessidades de financiamento do Estado português.
Tal como outros oradores, o eurodeputado citou o caso da Grécia, onde após um ano de aplicação das medidas do FMI as condições sociais se degradaram a um nível dramático e, ainda assim, a dívida subiu de 115 por cento do PIB para 145 por cento, o que leva agora Atenas a encarar a possibilidade de abandonar o euro.
No entanto, acrescentou Miguel Portas, não se vislumbra na União Europeia qualquer intenção de alterar a política monetária porque essa é uma vantagem da Alemanha.
Para ilustrar como o resgate nem sequer vai resolver os problemas de financiamento do Estado português, Miguel Portas decompôs os destinos dos 78 mil milhões de euros do empréstimo: 54 mil milhões são para cumprir as obrigações financeiras do Estado até 2013, ou seja para ir devolvendo aos que estão a emprestar; 12 mil milhões são para recapitalização da banca. “Ou seja”, disse o eurodeputado, “66 mil milhões são destinados aos mesmos, porque os credores e os banqueiros são os mesmos”. Sobram 12 mil milhões: “Esses são a margem para o que vai correr mal por todas as razões que já foram ditas”.
Miguel Portas sublinhou ainda “o paradoxo” de estas medidas serem decididas em Bruxelas por sectores conservadores e aplicadas nas periferia “por governos socialistas que se reclamam do Estado social e agem contra o Estado social”.“Este resgate”, acrescentou, “tem ainda uma condição política: o próximo governo tem um programa e terá que ser constituído por dois ou três partidos” – que já aceitaram as imposições estrangeiras.
Daí, acrescentou Miguel Portas, que nas eleições de 5 de Junho além de se votar em partidos também se escolhe entre a aceitação ou a rejeição deste resgate. As alternativas credíveis existem, salientou, e apesar da diferença de condições o “não” do povo islandês é um exemplo “de como os povos são soberanos e actores da História”.
Sem comentários:
Enviar um comentário