Violante Saramago Matos, Bióloga, nasceu em 1947, exactamente no mesmo ano em que eu nasci e que o seu pai, o escritor José Saramago, publicou o seu primeiro livro.
É a mandatária da candidatura de Manuel Alegre na Madeira.
É uma mulher extraordináriamente inteligente e politicamente interventiva,tendo sido já militante do Bloco de Esquerda. Mas preza muito a sua liberdade individual e não se sente bem "amarrada" a um partido político. No entanto, é civicamente muito activa na Madeira, onde vive.
JOÃO
Sábado, 26 de Junho de 2010
Entrevista a Violante Saramago Matos
Cavaco "não liga puto à Assembleia"
Élvio Passos com Nicolau Fernandes - TSF Esta entrevista foi gravada no dia 17 deste mês. Deveria ter sido publicada no sábado passado. Mas, devido à morte de José Saramago, foi decidido adiar a publicação para hoje. A parte que está na página 14, foi gravada ontem.
Começou no MRPP, passou pelo PS e foi dirigente do BE. Hoje não tem ligação partidária, porque quer pensar livremente. Recentemente aceitou o convite de Manuel Alegre para ser mandatária na Madeira, da sua candidatura à Presidência da República.
Ser mandatária é um regresso à vida política activa.
Talvez. Há a noção de que a vida política se resume à participação partidária. Eu acho que não.
Em Portugal a participação política quase que se esgota nos partidos.
Sim é verdade, o que não quer dizer que esteja correcto do ponto de vista da democracia. Há pessoas que não têm jeito para serem militantes. Eu já cheguei a essa conclusão.
Já foi militante do PS...
Não. Fui militante do MRPP, antes do 25 de Abril e até a uns anos depois. Depois trabalhei com o PS e fui militante do BE. Mas já cheguei à conclusão de que eu não sou uma mulher de partidos, no sentido de que cumpro e respeito escrupulosamente tudo o que a direcção partidária disser.
Sente-se presa?
Sinto-me amarrada. Parece que não me deixam pensar por mim. Será defeito, será qualidade?
A intervenção política fora dos partidos é possível na Madeira?
Tem de ser. A Madeira tem condicionalismos de grande impacto, na expressão das pessoas. Não é uma sociedade que estude de forma sistemática as coisas, que se empenhe...
Há uma demissão cívica?
Eu não sei se há. Penso que há mais uma omissão. Mas não é fácil ter opinião divergente na Madeira, sem ter umas costas quentes atrás. Ou através do poder, se aceita determinados meios termos, mas também não aceita muitos, e o caso do Sérgio Marques é absolutamente evidente de como o poder reage à primeira crítica dentro. Ora, fora, sem costas protegidas por um escudo partidário é pior, porque a gente está sozinho.
Neste contexto, porquê Manuel Alegre?
Pelo percurso, pelos princípios, por aquilo que o Manuel Alegre tem defendido para a sociedade, inclusivamente e, no caso concreto, para a função do Presidente da República - PR.
Há uma coisa onde o PR se pode distinguir de todos os outros. Ele tem de tomar posição em situações de emergência, além das ambientais, as que temos vindo a viver nos últimos anos.
Sociais?
Sociais. Ele tem a obrigação de fazer mais alguma coisa. O país não precisa de um PR que se lastime mas de um PR que tenha uma visão para o país, não em termos governativos, mas em termos de mobilização dos cidadãos. Ele tem é de conclamar os cidadãos à participação.
Isso é o grande erro de Cavaco e a grande virtude de Alegre?
É uma delas. Cavaco não apela à participação cívica. Manuel Alegre apela.
Alegre que não deixa de ser apoiado do pelo PS e pelo BE.
E provavelmente por milhares de cidadãos que não estão nem no PS nem no BE.
O facto de ser apoiado pelos dois partido pesou na sua decisão?
Não, não pesou.
Disse ao DIÁRIO que pediu um tempo para pensar. Porque foi a hesitação?
Não é uma hesitação propriamente dita. A gente tem de pensar nas coisas sérias que faz na vida.
Ponderou também essa questão das costas quentes?
Não, não, não, não... Essa definitivamente não. É uma questão de princípio.
Mas reflexão sobre o mandato de Cavaco Silva já a teria feito. Eu disse também que me desconforta uma falta de sentido de Estado do PR e acho que ele teve momentos graves de falta de sentido de Estado, como naquela trapalhada das escutas de Belém, ou ao ouvir o presidente da República Checa dizer que os portugueses se estão nas tintas para o défice, portuguesmente falando, e não dizer nada.
Terá querido ser politicamente correcto?
Eu não estou a dizer que a diplomacia deve ser feita, nem pode, e é por isso que eu não tenho jeito nenhum para diplomata, chamando as coisas exactamente pelo nome que elas têm. Agora, daí a deixar passar uma coisa destas vai uma distância enorme, como vai uma distância enorme, chegar à Região e aceitar a sede da ALM como primeiro órgão da autonomia e ter ali uma intervenção política ou aceitar a sede da ALM como o restaurante.
Acabou por receber os partidos no hotel.
No hotel!? Então o chefe de Estado que tem uma ALM, a que não liga puto, que nem sequer se digna a dirigir, a estar presente numa sessão solene, numa sessão, fosse o que fosse, e que apenas passa por lá para jantar?!
Há matérias aqui na Madeira que deveriam preocupar o PR?
Claro que sim. Eu só dei três exemplos.
Além desses, que falou. Um PR ouve os dislates que se têm dito aqui e tudo isto passa?
Não há aqui um sentido de Estado, de unidade de Estado? Então ouve-se dizer que o Estado não é unitário e não se diz nada?
Acredita que Alegre, nesse aspecto, conseguirá ser diferente dos anteriores presidentes da República?
Acredito sinceramente, porque tem um passado que me faz acreditar.
Mesmo assim, é difícil Alegre ganhar as eleições na RAM.
Há surpresas.
Acredita que vai haver?
Eu não acredito propriamente em milagres. Agora, se eu pensar no que se passou com o referendo sobre a IVG, esse sim foi uma surpresa. Na Madeira não ganhou, mas entre os dois referendos houve um acréscimo de 10% de votos 'sim', o que é muito significativo.
Na Madeira há um sector apático, mas há um sector descontente que não encontra onde votar e que não vota. Há terreno para um trabalho. Aqui está uma das razões que me levou a pedir 'dê-me um espacinho para pensar'. Que é para saber se, chegado ao fim disto tudo, eu não vou olhar para o espelho e dizer 'Violante, que mal que te portaste nisto tudo'.
Qual vai ser o principal alvo eleitoral na Região, os mais novos?
Naturalmente que a campanha tem de ser dirigida a sectores, mas deve ser ampla e não limitada a determinados sectores.
Já há uma programação? Já há algumas coisas pensadas, mas uma coisa que eu aprendi na política é que nunca se buzina antes das curvas. Só quando se está a curvar.
Mudando o eixo da conversa. Falando concretamente sobre o 20 de Fevereiro. Há aqui responsabilidades criminais, além das políticas?
Há aqui dois campos de intervenção e eu não pretendo substituir-me nem à PJ, nem ao MP, nem aos tribunais.
Pode lançar alertas. É o que eu tenho feito. Agora responsabilidades políticas não sou só eu a dizer. O presidente do Governo diz que há muita coisa mal feita que tem de ser corrigida.
O ordenamento do território é o nosso calcanhar de Aquiles?
É o nosso como em quase todos os sítios. O solo urbano alimenta o poder. Paga e alimenta a câmara. O dinheiro vai para as autarquias, como, indirectamente, acaba por alimentar o poder acima das autarquias.
Nós temos de saber se queremos uma cidade que vai fazendo jeitos aqui e ali, ou que os vai permitindo, que vai obstruindo cursos de água, que vai tapando saídas naturais de água. Temos de ter um total respeito pela natureza. Deve haver um equilíbrio com a natureza.
No 20 de Fevereiro, a natureza veio dizer que esse equilíbrio não havia. Acha que se aprendeu a lição?
Não. Esta lição para ser aprendida, como qualquer matéria, tem de ser estudada.
Agiu-se demasiado rápido?
Não houve tempo para pensar. É por isso que as coisas estão a ser feitas quase em cima do que existiu. Por exemplo, com que base se está a fazer a quantidade de encanamentos que se estão a fazer ai pelas zonas médias superiores dos troços das ribeiras? Na base de quê. Não basta dizer esta casa não devia ter sido licenciada. É óbvio que não devia. Esta dentro do ribeiro.
Há erros que se estão a cometer. Houve tempo para pensar?
A recuperação da Madeira é uma coisa para se fazer a dois anos, que é para rebentar no próximo? Ou é uma coisa que é para se fazer a prazo, consolidado, bem estruturado para durar e garantir segurança?
Tem dúvidas de que voltará a acontecer uma coisa do género?
Eu tenho fortes receios. Todas aquelas imensas toneladas de detritos, que vieram pelas ribeiras, qual é o destino, o que é que se vai fazer disto? Vai se pôr na Avenida do Mar, na Ribeira Brava, no Lugar de Baixo? Tudo na foz, 'à bica' de o próximo temporal trazer tudo para terra com consequências imprevisíveis?
O aterro era para retirar.
Pois era. O que já é curioso é que, com o passar do tempo, o perfil do aterro vai se alterando. Aquelas terras, das duas umas: vão para ao fundo do porto, com custos e perigos em consequência do assoreamento, ou num próximo temporal a sério vêm para a Avenida do Mar. Isto não é futurologia, isto é dinâmica dos materiais, das ondas, da águas.
Solução para estes materiais?
Eu acho, por exemplo, que não havendo, como não há nenhum aterro, na Madeira, capaz de receber terras e detritos da construção civil, deve-se procurar reaproveitar. Se aproveitarmos pedra escusamos de abrir pedreiras. Mas há uma parte que não poderá ser utilizável. Uma das hipóteses é fazer um despejo controlado em alto mar. É uma medida ambientalmente sustentável, desde que seja acompanhada e seja bem feita. Não é chegar ao primeiro buraco e despejar.
E a criação de uma fajã artificial?
Eu tenho muita resistência às fajãs. As fajãs podem se fazer mas, têm de ser bem feitas. Não é aterros e vazadouros como se fizeram no Porto Novo...
Poderia ser como no aeroporto.
Isso é um aterro bem feito. É seguramente dos poucos aterros bem feitos que existem na Madeira, razão pela qual ele está lá e não mexe. Simplesmente ele foi construído desde a base, porque há regras para a construção do aterro. Não é ir chegando os camiões e despejar. Isso é um vazadouro, um despejo. Como há por quase todo o lado.
Sobre o seu futuro. Depois desta experiência como mandatária, admite a possibilidade de uma participação político-partidária, mesmo que não como militante?
Não sei. As coisas vão surgindo a seu tempo. Neste momento a minhas áreas de trabalho são o ordenamento do território e o trabalho que se avizinha, da candidatura.
Se fosse convidada a integrar uma candidatura à ALM e ficar responsável pelas questões do ordenamento, poderia deixar-se seduzir?
Talvez. Não sei. Nunca pensei nisso de um forma consistente.
Não exclui essa possibilidade.
Não excluo, nem incluo. É uma possibilidade como todas as outras. Em política a gente não deve dizer nunca. E eu já disse uma vez que, se alguma vez eu me inscrever no PSD, levam-me para o Trapiche rapidamente porque perdi o juízo, pela prática do PSD.
Agora há outras coisas que a gente tem de pensar, vamos ver. Há situações em que pode justificar, há outras em que não tem qualquer sentido.
Neste momento, sente-se mais próxima de que partido: BE ou PS?
Com toda a sinceridade, neste momento eu sinto-me mais próxima da minha cabeça.
Equidistância?
Não. O que eu faço, há já algum tempo, é uma avaliação relativamente a cada atitude, princípio, comportamento, declaração, decisão...
Alguém dos partidos a que esteve ligada, a procura, pede a sua opinião?
Às vezes. Não vou dizer quem, nem como, nem a propósito de quê, mas às vezes sim.
É uma forma de a valorizar. Eu acho que é sobretudo o reconhecimento de um trabalho sério que tem procurado ser profícuo.
Algum dos dois partidos já a tentou reconquistar?
Eu sou uma mulher difícil de reconquistar.
Não quer dizer que não tentem.
O problema é este. Uma mulher casada há 40 anos já não se deixa conquistar com grandes... É preciso muita coisa para conquistar, muito saber e ainda mais saber para não dar a resposta que o entrevistador quer. Não. Agora a sério. As coisas não se colocam em termos de conquista, mas em alguns pedidos de opinião. Mas isso é normal. Eu não morri para o mundo. Não houve uma intervenção que acabou e a partir daí não aconteceu nada. Tenho tido as mesma preocupações e o meu trabalho tem incidido sobre as mesmas áreas.
Presidente Forçado a promulgar casamento homossexual
Se aceder ao site do DIÁRIO ou ouvir a TSF, depois do noticiário das 9 horas, poderá conhecer o pensamento de Violante Matos, de forma mais desenvolvida, sobre os assuntos abordados na entrevista.
Poderá conhecer ainda alguns conteúdos que não integram a edição em papel.
A mandatária de Manuel Alegre explica por que razão não concorda com quem entende que a vitória de Cavaco Silva seja melhor para o Governo PS, do que a do candidato que apoia.
Diz também entender que Cavaco foi como que obrigado a promulgar a lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo, pelo que, isso não pode ser entendido como uma abertura ao eleitorado de centro-esquerda.
ALM recusou louvor a Saramago em 1998
Qual é a melhor forma de perpetuar a memória de José Saramago?
Lendo-o, porque nos livros, nos escritos, nas entrevistas está tudo o que ele foi enquanto escritor, enquanto agente da palavra e da escrita e está o que ele foi e o que ele é, em certa medida, enquanto cidadão, pessoa, que pensa que disse o que entendeu, de forma como entendeu, clara, vertical e que nos obriga a pensar, mesmo que haja quem não está de acordo com ele. Penso que os seus trabalhos têm hoje a imensa virtude de nos obrigar a questionar, a perguntar.
Enquanto filha, sente quase o dever de divulgar a sua obra?
Não. Eu não tenho esse sentimento de dever.
Sente que Saramago é de todos, ao fim e ao cabo?
De todos, todos, será!? De alguns não é seguramente. Não sei. Não pensei nisso. O que me parece que é importante ontem é o que me parece que é importante hoje, a divulgação, a discussão e, sobretudo, procurar fazer o que sempre procurei: agir de acordo com a minha consciência, procurando que ele nunca tivesse vergonha da filha.
Falou dos livros. Há algum especial?
Há, o 'Ensaio Sobre a Cegueira'. É o meu livro de cabeceira. Não vou discutir, do ponto de vista literário se é ou não o melhor livro, até porque não sou especialista em literatura. Há coisas que gosto de ler, há coisas que não gosto. Gosto do Memorial, gostei imenso. Outro cujo conteúdo me suscitou um grande interesse foi 'A Caverna'. Digamos que o 'Ensaio Sobre Cegueira' concentra a escrita, mas também um tema de uma actualidade cada vez maior e um conjunto de figuras de que eu destaco, com impacto muito grande, o cão das lágrimas.
Como vê a ausência das duas principais figuras de Estado, Presidente da República e da Assembleia da República, nas cerimónias fúnebres?
Ambos de férias, ao que consta...
Como vê esta atitude do Estado que decreta luto nacional?
Eu acho que se um Estado decreta luto nacional, deve assumi-lo até às últimas consequências, ou então tem a coragem de não o decretar. Se me perguntam se estranhei a ausência do Presidente da República, eu devo dizer que Cavaco esteve igual a si próprio. Não era expectável que fosse. Surpreender-me-ia muito uma verticalidade de postura, relativamente a um prémio Nobel, de um país onde eles não são muito frequentes, a um cidadão português com o impacto mundial que o meu pai tinha, isso sim, surpreender-me-ia. Devo dizer que Cavaco esteve igual a si próprio.
Apesar do momento de sofrimento, notou o país envolvido?
Sim. E acho que é bom acabar com essa história de que Saramago fez as pazes com o país e o país fez as pazes com Saramago. O país e Saramago nunca estiveram de costas voltadas. Agora o Governo de Cavaco Silva sim, esteve, claramente e não se arrependeu, como se prova. Aliás o subsecretário de Estado, ao que parece fez declarações a comprovar isso mesmo. Aí sim, nada se alterou.
Na ALM, os partidos, alguns vão apresentar um voto de pesar, mesmo o PSD. Surpreende-a, tal como na AR?
Com a diferença, se não me engano, que na AR, houve há 12 anos uma congratulação pelo Nobel e aqui foi chumbada. E não gostaria de dizer mais nada.
Saramago ilhéu e homem do mundo
Violante Saramago Matos vai intervir activamente na Fundação Saramago, de que é curadora. A instituição tem dois tipos de objectivo, um de carácter cívico, em questões como os direitos humanos e o ambiente, e outro académico, ligado à literatura.
Violante Saramago Matos lembra que a obra de seu pai ainda tem muito por descobrir e que será, seguramente, alvo de muitos estudos.
A filha do Nobel admite que o pai pudesse ser um ilhéu: "Poderia ser no que os ilhéus têm de introvertidos, de metidos consigo. Mas talvez não fosse no que tinha de expressão de amigos e de preocupados, por todo o mundo. Nessa vertente que ultrapassa muito a insularidade do ilhéu."
Um homem que não poderia ser confinado a um território.