sábado, 19 de junho de 2010

José Saramago (1922-2010) | Adeus José Saramago | Saramago e a Actividade Política | Saramago "Ser Único"


Eu sou filha de um artista plástico, já falecido, que assinava como Reinaldo, mas de seu nome Reinaldo António Baptista da Silva, que nasceu em 19 de Dezembro de 1923 e faleceu no dia 30 de Dezembro de 1994, com 71 anos de idade.
Foi militante do PCP desde 1945, tendo desenvolvido a sua actividade política na Célula dos Artistas Plásticos.
Quando eu segui a minha actividade de militante política na UDP, o meu pai, com quem eu tinha a melhor relação do mundo, nem sequer me criticou e compreendeu que eu nunca seguiria o caminho do PCP. Em 1974, embora entendesse a importância do PCP na resistência ao fascismo/salazarismo e na revolução de Abril, já era muito crítica em relação à política praticada nos países comunistas e optei por uma frente política que se estava a formar, com a certeza que ela não seguiria os dogmas do PCP e seria crítica em relação a esses países e à sua política de ditadura comunista.
Questionei, então, o meu pai sobre a razão porque ele, também desgostado das práticas do PCP após o 25 de Abril e dos países comunistas, sobre a razão porque ele se mantinha militante, se tinha divergências grandes.
O meu pai respondeu-me que, estando lá dentro, ele e os seus camaradas intelectuais, seriam muito mais necessários ao partido, pois, a pouco e pouco, o partido se renovaria e abandonaria a linha ortodoxa que seguia cegamente...
Enfim, isto para chegar ao que eu sei, senti e ouvi de Saramago. José Saramago era militante do PCP, mas desgostado e crítico dos países comunistas, tal como o meu pai, mas que viveu, tal como o meu pai, lutando sempre contra a injustiça social.
Quando o meu pai faleceu, a minha vida desmoronou e eu fiquei muito doente durante muitos anos. Tive que fazer consultas de psicoterapia comportamental durante muitos anos. Ninguém era como o meu pai. O meu pai era o meu Ser Único!
Uns anos depois, já o Saramago tinha recebido o Prémio Nobel, e eu já o lia e adorava o seu trabalho e as suas intervenções públicas, eu assisti a uma conferência dele, muito debilitada ainda, e no meio de uma multidão imensa, permaneci em pé, sem sequer o poder avistar, a ouvir a sua voz e a sua maneira doce de se expressar e crítica de comentar o próprio PCP, em plena Festa do Avante.
Ele estava muito cansado, Tinha tido uma sessão de autógrafos lá, num recinto da Festa do Avante e, quando a conferência acabou, a maioria das pessoas não queriam arredar pé. Eu não conseguia mexer-me. Estava completamente emocionada pois, ao ouvir Saramago, estive como que a "ouvir" o meu pai.
As pessoas queriam falar com Saramago, mas ele estava, obviamente, muito cansado. E a Pilar não deixava, juntamente com outras personalidades do PCP, que se aproximassem dele.
No entanto, ao pousar os olhos em mim, Saramago, na sua infinita bondade e intuição, permitiu que eu me aproximasse, autorizado-o e fazendo-me sinal para o efeito.
Eu não vou dizer o que conversámos, até porque não consigo, mas só sei que lhe abri o coração e ele abraçou-me, beijou-me e acarinhou-me. Ficou muito emocionado comigo, assim como a mulher dele, a Pilar Del Rio, e agradeceu-me profundamente as palavras que lhe dirigi.
Quando saí perto deles, eu chorei como chorei com a morte dele. Eu tinha estado com um Ser Humano genial, tal como o meu pai o tinha sido, que falava e pensava como o meu pai.
Se eu já admirava José Saramago, passei a adorá-lo e ele transformou-se num dos meus "Seres Únicos".
Quando ouço dizer que ele é arrogante, entre outras coisas, só a mesquinhez de quem profere essas opiniões as pode justificar. Os portugueses, infelizmente, são, na sua maioria, um povo mesquinho, de uma pequenez confrangedora, que não sabe apreciar e entender as pessoas grandes como Saramago, que foi um ser generoso, insubmisso, inteiro e íntegro. Um homem livre e superior!
Vou deixar o resto do artigo "Adeus Saramago" que saiu no Esquerda.Net.
JOÃO
Adeus Saramago
O escritor e Prémio Nobel da Literatura em 1998, José Saramago, morreu esta sexta-feira aos 87 anos em Lanzarote.

Artigo | 18 Junho, 2010 - 14:01
(Continuação)

A polémica com a Igreja Católica e o veto do PSD

Saramago encontrou sempre fortes críticas e oposição na Igreja Católica, ainda que o escritor tenha sempre agido usufruindo, como referia, dos seus direitos de liberdade religiosa e de liberdade de expressão. A relação de tensão com a Igreja Católica agravou-se devido à origem portuguesa de Saramago, país onde o catolicismo ainda é muito forte e discuti-lo ainda é um tabu.

Devido à sua origem portuguesa e toda a influência cultural exercida pelo catolicismo em tal contexto, Saramago sentiu a necessidade de abordar a Bíblia no seu trabalho de escritor, uma vez que este texto faz parte do seu património cultural, ao contrário, por exemplo, do Alcorão, que Saramago entendeu não ser sua tarefa abordá-lo.

Saramago interpreta a Bíblia como um "manual de maus costumes", referindo-se a ela como "um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana". Disse mesmo que para uma pessoa comum a decifrar, esta precisaria de ter "um teólogo ao lado".

O lançamento do livro "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1991, foi bastante polémico. O longo processo de recepção da obra, do ponto de vista político-religioso, culminou com a sua saída definitiva de Portugal, para Espanha.

Em 1991, Sousa Lara, o Sub-Secretário de Estado adjunto social-democrata da Cultura, vetou o livro do escritor, “O Evangelho segundo Jesus Cristo”, de uma lista de romances portugueses candidatos ao Prémio Literário Europeu. Saramago entendeu o acto como “censório”. Na altura, devido a estes acontecimentos desproporcionados, Saramago chegou até mesmo a propor dois novos direitos à Declaração Universal dos Direitos Humanos: o direito à dissidência e à heresia.

O lançamento de “Caim” em 2009, mesmo em pleno século XXI, despertou polémicas antigas e agravou consideravelmente a sua (não)relação com a Igreja Católica. O eurodeputado do PSD Mário David, por exemplo, falando em nome pessoal e assumindo-se católico não-praticante, disse ter vergonha de ser compatriota do escritor, escrevendo isso no seu blogue e repetindo depois nos meios de comunicação, que “Saramago devia renunciar à nacionalidade portuguesa” - tudo a propósito de “Caim” (apesar de tais declarações, o escritor esclareceu que jamais pensou em abandonar a cidadania portuguesa).

A actividade política

A militância no Partido Comunista Português, iniciada em 1969, é uma marca significativa da actuação política de José Saramago, com desempenho particularmente visível e crítico no período de 1974-1975. No entanto, muito antes da adesão ao PCP, o escritor manifestara já oposição à ditadura de Salazar, tendo sofrido represálias do regime fascista.

Nos anos de 1948-49, Saramago associa-se à candidatura do general Norton de Matos a Presidente da República, em oposição ao candidato do regime, o também general Óscar Carmona. O corajoso acto custou-lhe o emprego na Caixa de Abono de Família da Indústria da Cerâmica.

Já depois da Revolução de Abril e aquando do golpe militar do 25 de Novembro, derradeiro no processo de contra-revolução que ia crescendo, José Saramago foi afastado do jornal Diário de Notícias, e sentiu-se ostracizado, inclusivamente pelo PCP, conforme disse em entrevista ao Público (2006): “Claro que o meu partido não teve a gentileza de me convidar para ir para a redacção de O Diário, como fez a todos os que saíram do Diário de Notícias. Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”.

Ao ficar desempregado novamente após o 25 de Novembro, decide não procurar outro trabalho e dedicar-se exclusivamente à escrita e à tradução.

Os seus únicos rendimentos provinham das traduções, tendo intensifiado esta actividade a partir deste ano, vertendo para português, entre 1976 e 1979, cerca de vinte e sete obras, muitas delas de carácter político: Frémontier, Jivkov, Moskovichov, Pramov, Grisnoni, Poulantzas, Bayer, Hegel, Romain, etc.

No final da década de 80, antes do XII Congresso do PCP, entre outros escritores e intelectuais como Urbano Tavares Rodrigues, Baptista-Bastos ou Mário de Carvalho, Saramago subscreveu o documento que ficou conhecido como “Terceira Via”, no qual se alertava para a necessidade de mudanças. O documento foi subscrito por um grupo heterogéneo, alguns reclamavam por mais democracia interna e abertura, outros por transformações ideológicas estruturantes.

Durante o ano de 1990, José Saramago foi presidente da Assembleia Municipal de Lisboa (AML), quando Jorge Sampaio foi presidente da Câmara de Lisboa, numa coligação entre PCP e PS. O mandato durou pouco mais do que um mês, tendo-se demitido em Março daquele ano.

João Marques Lopes, escreve em “José Saramago- Biografia” (2010), que após a experiência na AML, o escritor “conservar-se-ia como um militante que deixa utilizar o seu enorme prestígio simbólico como capital político do PCP em acções pontuais”. Acrescenta ainda, “sempre se manifestou (…) contra qualquer fragmentação do PCP”. “Portanto, em toda a sua trajectória de militante do PCP transpareceu a marca da unidade e da diferença, da continuidade e da mudança, da aversão aos trânsfugas de direita e da indisponibilidade para os fenómenos de recomposição anti-capitalista à esquerda dos antigos partidos comunistas”.

Em 2003, Saramago fez declarações (num artigo no El País) desaprovando inequivocamente o fuzilamento de três dissidentes cubanos, que o levaram a assumir uma postura mais distanciada em relação ao regime castrista - “Cuba não ganhou nenhuma heróica batalha ao fuzilar estes três homens, perdeu sim a minha confiança, destruiu as minhas esperanças(...)”.

Também era conhecido o seu apoio solidário à causa Palestiniana e repúdio explícito pela acção política-militar de Israel.

Bloco recorda José Saramago

O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, lembrou José Saramago como “um escritor sempre insubmisso” no estilo e nas causas, “um homem das letras que, através dessa ferramenta, serviu combates pela justiça e pela decência”.

Manifestando o voto de pesar pelo falecimento de Saramago, Pureza comentou assim o percurso do escritor: “Levantado do chão, José Saramago combateu a cegueira, a cegueira social, que é o terreno da injustiça em Portugal”.

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