O pecado da usura
Não foram os países deficitários que foram financeiramente resgatados, mas a política e a democracia que foram raptadas.
- "Temos de fazer sacrifícios. Vocês têm que receber menos e pagar mais."
- "Mas, então, porquê?"
- "Porquê? Porque não há dinheiro!"
- "E não há dinheiro porquê? Desapareceu, foi queimado? E pagar o quê, se não estamos a ter mais, se estamos cada vez pior?"
- "Não, não desapareceu nem foi queimado, mas não há dinheiro, pronto. Quer dizer, haver, há, mas é só para quem sabe. Se vocês estão pior foi porque gastaram o que não deviam. Agora há que pagar a quem empresta e depois conversamos sobre o resto."
(Silêncio)
- "Mas, então, porquê?"
- "Porquê? Porque não há dinheiro!"
- "E não há dinheiro porquê? Desapareceu, foi queimado? E pagar o quê, se não estamos a ter mais, se estamos cada vez pior?"
- "Não, não desapareceu nem foi queimado, mas não há dinheiro, pronto. Quer dizer, haver, há, mas é só para quem sabe. Se vocês estão pior foi porque gastaram o que não deviam. Agora há que pagar a quem empresta e depois conversamos sobre o resto."
(Silêncio)
Os tempos mudaram. Os credores continuam a ser pessoas de bem, mas os devedores não. Já não têm 'crédito', são, quase por definição, incumpridores. Aliás, os tempos mudaram tanto que quanto pior estiverem os devedores, melhor é para os credores... Mais ganham. Os tempos mudaram tanto que o dinheiro emprestado já não é para investir mas para continuar a pagar. E paga-se cada vez mais porque os juros são cada vez mais altos e porque a usura deixou de ser pecado e é alimento para os mercados financeiros. Nada disto soaria a muito normal não fosse a nossa nova condição: os devedores querem continuar a ter 'crédito', querem continuar a ser honrados junto dos mercados. Não foram os países deficitários que foram financeiramente resgatados, mas a política e a democracia que foram raptadas. Quem manda em seu nome são os mercados.
Na 'era dos credores' quem governa fá-lo por submissão e quem manda não representa. Alguns países encontram-se à beira da insolvência, enquanto outros se reúnem em assembleias de novos credores que ditam, para eles e para os antigos, as regras do jogo. Os governos dos ditos insolventes correm atrás, comportam-se como paus-mandados, e aceitam que as decisões fundamentais para a vida das pessoas sejam tomadas fora das instituições que elas elegeram.
Visão parcial esta, sem dúvida. Mas é de um braço-de-ferro que estamos a falar e ele desenha-se entre os mercados e a política. Se fosse um jogo de futebol e não as nossas vidas podíamos ser adeptos dos mercados, que nos anos de crise costumam ser sempre campeões. Mas como é das nossas vidas que se trata, convirá resgatar rapidamente a política e a democracia. Sem elas, estamos tramados - essa é a verdadeira lição que estamos a aprender com os mercados.
Artigo publicado no jornal As Beiras, 6 de Agosto de 2011
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