Segundo uma teoria antiga, a idade ordinária da vida humana pode dividir-se em escalões, de seis em seis anos, dando a cada um desses períodos uma designação.
Ventura Reis - TornadoiroFalando de velhice, estado em que eu me encontro há abundante tempo, diremos que o começo desse estádio da vida se inicia aos 57 anos.
Dos 57 aos 63 anos é a chamada «fase inicial da velhice». A mesma classificação mantemos no escalão seguinte, que vai dos 64 aos 70 anos, designando-o porém de «consolidação da velhice». No escalão dos 71 aos 77, falamos já em «decrepitude». Vem depois, dos 78 aos 84, a fase da «caducidade». A partir daqui, dos 85 aos 91, o ser humano está na «idade de favor». Dos 91 aos 98 está na «idade de maravilha». Finalmente, dos 99 aos 105 atinge na «idade de prodígio». A partir deste passo não há classificação, porque a pessoa já cá anda manifestamente a mais.
Da minha parte, com muito de vida vivida, encontro-me a iniciar a fase da caducidade. Neste estádio da vida pode o velhote, em certos e determinados casos, ser equiparado ao menino, ou até ao demente, se a razão já de todo não sobrevier, o que julgo não ser o meu caso.
Contudo, tirando essas ocorrências de diminuição de faculdades mentais, o geral dos anciãos deve ser considerado como gente com experiência de vida, portanto apta a prestar bom conselho. Uma vida longa observando o mundo e interpretando o comportamento humano, leva os velhos, mesmo na fase da caducidade e até na idade de favor, a oferecer alto préstimo à sociedade, proferindo conselhos filhos da experiência de vida.
Em muitas sociedades antigas prevalecia o conselho dos anciãos, ou o senado, formados por gente de prestígio e de abundante idade e experiência. Ao ímpeto e fogosidade da mocidade opõe-se a cautela e a lucidez da velhice, para que se forme uma boa e prestimosa sociedade.
Estamos porém num tempo em que ninguém olha ao saber da gente antiga. A prosápia das novas gerações levou a que os velhos fossem atirados para um canto, que a maior parte das vezes corresponde ao asilo ou auspicio a que solenemente chamam lar de idosos. Os velhos, que poderiam ainda estar a dar bons conselhos, são atirados para o depósito, onde voltam a ser tratados como garotos irresponsáveis, a quem de querem dar a mão para lhes ensinarem o caminho o tomar.


«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis