O artigo é brilhante e muito esclarecedor e o tema não podia ser melhor comentado não fosse o Coronel Mário Tomé um especialista nesta temática da guerra.
O artigo saiu na publicação "A Comuna" que pode ser consultada on-line.
JOÃO
12-Jul-2010
Na recente visita a Portugal, o Secretário Geral da NATO tornou públicas as suas preocupações quanto à evolução da situação no Afeganistão pois, sublinhou, a vontade de retirada das tropas estrangeiras do Afeganistão choca com as grandes dificuldades em estruturar um estado democrático num país com a história, costumes e tradição como aquele.
Artigo de Mário Tomé
A tal preocupação parece responder o novo comandante chefe , o general Paetreus que vai lançar a operação «Civis ao ataque» (título meu), ou seja armar os civis para combaterem os talibãs.
Uma excelente táctica se a história não tivesse já demonstrado ser uma cretinice. Durante todas as lutas de libertação contra o colonialismo terminando na Argélia, a mais «francesa das regiões de França!!!», na guerra do Vietnam, na guerra de libertação de Timor-Leste, no Sahara Ocidental, o aliciamento das populções não passou nem passa de uma representação dramática: o invasor finge acreditar que as alicia e as populações fingem deixar-se aliciar.
Os invasores, a NATO, no Afeganistão vão continuar a bombardear as populações com os seus drones, a invadirem as aldeias durante a noite à procura de talibãs, , prendendo para averiguações, matando, tortutando e violando («se as mato por que não as posso foder?», perguntava um soldado norte-americano no Iraque), aterrorisando. E as populações vão continuar a acenar e saudar para mais à frente porem uma mina ou se fazerem rebentar no meio de militares ou de políticos ou simplesmente numa praça ou num mercado.
A guerra no Afeganistão está perdida pelos EUA. A disputa pelo controlo do país, com a Rússia, o Irão e a China, a venda de armas aos senhores da guerra, aliados preferenciais dos EUA, só pode provocar mais sofrimento ao povo afegão que não perdoará quando puder realmemnte libertar-se dos invasores ao mesmo tempo que dos seus fantoches no governo, da opressão criminosa dos senhores da guerra e dos talibãs.
O maior problema com o governo não é a corrupção que é, aliás, absoluta: é ser dominado pelos senhores da guerra e suas milícias, tão fundamentalistas, tão brutais, assassinos criminosos quanto os talibãs. Com uma diferença: é que praticam os crimes à sombra do governo e do seu tutor, a NATO e seus parceiros (estão tropas de 43 países no Afeganistão), i.e. os EUA.
O General Loureiro dos Santos, um «natista» com olhar crítico, afirma que ao novo comandante-chefe, Paetreus, restam três variáveis para poder cumprir a missão: «capacidade de criar boas relações com os protagonistas políticos; um eventual ajustamento das regras de empenhamento no teatro de operações; modificação do ritmo de retirada.».
É claro que ritmo da retirada depende dos outros dois factores.
Os EUA retiram desde que consigam fazê-lo sem perder a face e garantindo o controlo do país, ou seja o controlo da passagem do gás e do petróleo do Cáspio para o Paquistão, a Índia e a China. Para tal têm que intensificarem a guerra, nomeadamente os bombardeamentos pelos «drones» perdendo ao mesmo tempo qualquer capacidade de «conquistarem as almas e os corações» - como diriam Kaúlza e Spínola pouco antes de perderem a guerra – um dos objectivos do Secretário Geral da NATO; e depois reforçarem e legitimarem o poder dos senhores da guerra, as únicas entidades, para além dos talibãs, com capacidade para assegurarem o controlo político e militar das províncias afegãs.
Os senhores da guerra, que a imprensa tenta mostrar em contradição com Karsai, permanecem desde sempre a mandar nas suas províncias, a mandarem na Loya Jirga (Assembleia Nacional), a traficar ópio, a imporem a sua ordem medieval contra o povo, em particular contra as mulheres. A sua luta contra os talibãs é a mesma luta pelo poder desde a guerra civil que se seguiu à derrota dos soviéticos.
A hipótese de uma guerra civil – que a imprensa ocidental apresenta como um risco terrível se a NATO retirar as suas forças - em nada alterará a real situação do povo afegão: ele vive, já hoje, oprimido, massacrado, assassinado pelos talibãs, pelos senhores da guerra e pelas tropas da NATO.
Com a saída das tropas da NATO seriam menos uns criminosos com que o povo teria de haver-se.
Os «danos colaterais» dos bombardeamentos, ou seja o massacre de civis, está a fazer com que muitos deles se juntem aos talibãs para combaterem o ocupante.
A imprensa ocidental, salvo raras excepções como John Pilger e Robert Fisk, é de um servilismo criminosos perante a estratégia imperialista. Quem a lê fica com a ideia de que o povo afegão é apenas um elemento passivo, que a democracia no Afeganistão é impossível se não for imposta pela guerra e pelo terror da NATO, como se tira das declarações do Secretário-Geral, na sua visita a Portugal, perante as espinhas curvadas dos ministros dos Negócios Estrangeiros e da Defesa.
Malalai Joya é a voz heróica do povo afegão e, fundamentalente, da mulher afegã.. O seu livro «A JOIA AFEGÃ/UMA MULHER ENTRE OS SENHORES DA GUERRA» editado em Portugal em Maio último pela «QUIDNOVI», é uma obra arrepiante: pela denúncia da terrível situação imposta pelo invasor ao povo afegão e pela coragem sem limites da sua autora.
Aí ela aponta à comunidade internacional os passos necessários para resolver a situação no Afeganistão:
Parar a guerra e não intensificá-la; envio de verdadeira ajuda humanitária – os EUA gastam 100 milhões de dólares por dia na guerra e a ajuda humanitária reduz-se a sete milhões a maior parte dos quais desaparece na corrupção; acabar com o domínio do senhores da guerra, impondo o desarmamento efectivo das milícias; retirada de todos os militares estrangeiros.
E a cada um de nós propõe como tarefas:
Mantermo-nos informados; juntarmo-nos aos grupos que trabalham honestamente para apoiar os homens e as mulheres no Afeganistão, inclusive com apoio financeiro; controlarmos, criticarmos e esforçarmo-nos por melhorar a política externa do governo português; participar no processo político e na organização da defesa da justiça social em Portugal.
A voz límpida de Malalai Joya chega até nós. O seu livro é a um tempo uma denúncia sem reticências, um manifesto revolucionário, a descrição de uma caminhada sem retorno , de uma entrega total à libertação do seu povo, uma prova de convicção inabalável, de determinação absoluta, de coragem e de humildade esmagadora.
Impossível não o ler!
* Do livro «A Jóia Afegã...»
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