quinta-feira, 29 de julho de 2010

Miguel Portas: «Tiro no Pé» | Passos Coelho e o seu PSD

Este artigo de opinião do Miguel Portas, tem estado para ser aqui colocado porque acho-o muito bom e muito elucidativo da estratégia de Pedro Passos Coelho e do seu PSD.


Todos sabemos que eles vão bem nas sondagens: PSD e o seu líder. Mas até às eleições legislativas muita água vai correr por baixo da ponte...

E o tiro no pé já ninguém lho tira!!!

JOÃO

Notas de
Miguel Portas
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Tiro no pé

Sexta-feira, 23 de Julho de 2010 às 13:19

Sempre que o PSD muda de gerência, a primeira tentação do chefe é “rever a Constituição”. Passos Coelho não foi o primeiro nem será o último. Deixemos, portanto, de lado os elogios laudatórios de quem vê nesta trivial operação laranja sinais de rasgo e arrojo.

Antes pelo contrário.

Fazer da Constituição o centro da táctica num contexto de crise não lembra ao diabo. Não é por acaso que o CDS, um partido de estrutura ideológica bem mais vincada do que a do PSD, não se meteu por aí. Eles sabem o que é óbvio: nem povo, nem capitalistas, nem nano, micro ou pequenos e médios empresários vêm na Constituição a causa ou a salvação para os seus problemas domésticos. Nem o tema é popular, nem ele tem relevância prioritária para os agentes económicos.

O mistério adensa-se mais quando se olha para o calendário.

Por um lado, temos um governo condenado pela opinião pública que apenas sobrevive porque não se podem realizar eleições legislativas nas proximidades de uma disputa presidencial. Neste contexto, por que “atira ao lado” ou “tão lá para a frente”, o PSD?

Por outro lado, temos um PR que quer a reeleição como “presidente de todos os portugueses” e não em ruptura com pelo menos metade do país. Porque abre Passos Coelho os derradeiros ajustes de contas com a revolução de Abril? Que ganha Cavaco Silva com isso, senão uma enxaqueca de longa duração?

Se a agenda é duvidosa e o calendário um desastre, que dizer de uma proposta que fará regressar o PSD à luta de facções? Claro que a contestação não toca nas matérias económicas e sociais. Ninguém no actual PSD verte uma lágrima pelo fim da “justa causa” no despedimento, pela eliminação da obrigação do Estado manter um “sistema público de ensino” ou que a saúde deixe de ser “tendencialmente gratuita”. A discórdia concentra-se, outrossim, na vertente institucional. A história do PSD escreveu-se contra a possibilidade do PR demitir governos por vontade e fazer governos por medida. Tocar em Sá Carneiro só pode dar mau resultado, em particular quando a parte derrotada do PSD prefere mesmo um regime “quase presidencial” - o que mais se assemelha a uma “solução providencial” para tempos de crise.

Os equilíbrios e desequilíbrios de regime dariam um debate muito interessante no Grémio Literário, não se desse o facto do líder fáctico da direita, Cavaco Silva, passar bem sem ele. Manuel Alegre já o desafiou a pronunciar-se e dificilmente o silêncio deixará de ter o seu preço.

A escolha do PSD tem, assim, uma única coerência – dar a José Sócrates o sopro de vida de que carece à frente de um governo moribundo. De PEC em PEC e SCUT em SCUT, a colaboração ao centro exige, paradoxalmente, uma guerra de alecrim e manjerona. Ela aí está e o PSD nem sabe no que se meteu.

Publicada no Sol da passada semana

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