A carta e a denúncia anónimas são o rosto dos covardes. Só gente desprezível e repugnante é capaz de recorrer à calúnia para ferir a honra alheia.

Ventura Reis - TornadoiroPor detrás do anonimato agacha-se aquele que é incapaz de lutar lealmente, dando a cara, antes preferindo fugir às consequências da sua perfídia.
Quem dá a face aceita a responsabilidade pelo que afirma, lutando pela defesa daquilo em que acredita e lealmente protege. Tem a noção da justiça, sabe o que são a moralidade e a honradez. Lutando lealmente acaba aliás por atingir o seu objectivo.
Já o anónimo que joga na insídia acredita na impunidade resultante de estar escondido. Como ninguém o vê, não será identificado nem responsabilizado e pode dizer tudo o que quer sem temer consequências que o afectem. Esquece porém que essa conduta o afunda na escala da moralidade, e essa é a maior das condenações.
Falo assim perante o uso que nos dias de hoje se vem dando à carta anónima. Por essa via malévola, se tem feito mal a muita gente, dando-se azo a notícias e campanhas públicas, quando não a processos e inquéritos, que conduzem à desacreditação das pessoas, que ardem vivas na fogueira na exposição mediática. E isto acontece porque o caluniador tem sempre um cúmplice disposto a dar-lhe ajuda. Esse cúmplice, que é aquele a quem chega a carta anónima, ou que dela vem a ter conhecimento, e decide divulgá-la, merece igual condenação, porque ajuda o covarde a atingir os seus maldosos fins.
Hoje ninguém está a salvo de um ataque do anonimato calunioso. A todo o momento se assiste à conspurcação leviana da honra de muito boa gente, apenas porque alguém o caluniou anonimamente e outro, ou outros, deram crédito a essa forma de agir.
Reafirmo pois que a calúnia feita através do anonimato se tornou numa poderosa arma que a todos pode trucidar, conspurcando-lhe o nome e destruindo-lhe a carreira profissional, a vida familiar e a imagem social.
E porque afirmo eu que a calúnia é um mal actual? Pois por verificar que de há um tempo a esta parte se tornou hábito dar expressão pública, nomeadamente através dos meios de comunicação social, a esse tipo de campanhas, quantas vezes na sequência de processos a que polícias e tribunais deram também crédito.
Pois noutro tempo, quando a moralidade imperava, havia uma recomendação expressa para todos os serviços públicos, que rezava assim:
«1- Não tomar conhecimento de qualquer documento que não venha devidamente assinado pelo autor;
2- Proceder com veemência contra aqueles que vierem a descobrir-se como seus autores, participando os factos ao Ministério Público que analisará a possibilidade de acção criminal por denúncia caluniosa».
Todos sabem que há formas de serem ouvidos nas suas pretensões por modo a fazer prevalecer os princípios da justiça, não sendo aceitável que alguns se sirvam de processos ignóbeis e reveladores de acentuada covardia moral.


«Tornadoiro», crónica de Ventura Reis